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A crise da bola!

Não param de aparecer comentários de jogadores, principalmente brasileiros, reclamando da nova bola da Copa da África: a Jabulani. Isso mesmo, a bola tem um nome. Na verdade, o nome completo da bola é Adidas Jabulani. O nome Adidas, obviamente, é por cauda da empresa que produziu a bola. E isso não é novidade. Em outros mundiais, a Adidas também foi responsável pela produção das bolas. Na copa passada, que foi realizada na Alemanha, a bola se chamava Adidas Teamgeist. Há quem diga, inclusive, que esse é o principal motivo para as críticas dos jogadores brasileiros à bola, já que a seleção é patrocinada pela Nike, principal concorrente da Adidas. O sobrenome da bola, Jabulani, significa "celebrar" no idioma Bantu isiZulo, um dos 11 idiomas oficiais da África do Sul.

Os verdadeiros motivos das reclamações são obscuros, porém, não há dúvida de que a tecnologia por trás da confecção da nova bola pode sim influenciar na sua dinâmica, o que seria perfeitamente perceptível pelos craques da nossa seleção. Para os pernas-de-pau não muda nada, já que eles vão continuar chutando e a bola continuará não obedecendo suas "vontades" (logo, o comentário do Felipe Melo sobre a bola só pode ser intriga!).

Para tentarmos entender as razões desta tal influência, vamos analisar quais as principais variáveis que estão relacionadas com a dinâmica de uma bola de futebol.
A principal força aerodinâmica que atua numa bola de futebol é a força de arrasto. A natureza dessa força é muito conhecida em problemas de fluidos, sendo famosa pelo fenômeno chamado de "crise do arrasto". A crise do arrasto é a redução abrupta que a resistência do ar sofre, quando a velocidade da bola aumenta além de um certo limite, tendo assim um papel muito importante em situações normais de um jogo.



Outro fenômeno importante na dinâmica de uma bola de futebol é o efeito Magnus. Esse efeito surge quando a bola além de ter um movimento de translação, ou seja, se desloca em uma certa direção, gira em torno de seu própio eixo (rotacão), desempenhando um papel relevante na trajetória da bola. Trataremos deste fenômeno especificamente na próxima postagem.

Vejamos mais minuciosamente a força de arrasto. As coisas começam a ficar claras, quando olhamos para a sua descrição matemática:
Onde ρ é a densidade do meio em que a bola se desloca, no caso o ar (ρ ≈ 1,2 kg/m³), A é a área frontal da bola (A = 0,038 m²) e V é a velocidade da bola. Além disso, temos C, o coeficiente de arrasto. Este, depende de outras grandezas, como a velocidade da bola, a densidade e a viscosidade do ar (η) e o diâmetro da bola (D).

É devido a esse coeficiente C que acontece a anomalia conhecida como crise do arrasto. Veja no gráfico abaixo:


Pode-se perceber que quando o produto entre velocidade, densidade do ar e diâmetro da bola, dividido pela viscosidade do ar, atinge um certo valor, o coeficiente de arrasto diminui drasticamente. É neste ponto que acontece a anomalia, fazendo com que o coeficiente de arrasto diminua em até 80% e causando uma mudança abrupta no movimento da bola (é aí que alguns goleiros são pegos de surpresa).

Portanto, qualquer mudança no diâmetro da bola, que por sua vez significa uma mudança na sua área frontal, repercutirá numa alteração da força de arrasto. A Jabulani, assim como a Teamgeist é completamente esférica, diferentemente das bolas feitas de painéis (ou gomos, geralmente 32) utilizadas em copas anteriores à 2006. Isso significa que existem diferenças, por mais que sejam milimétricas, entre as dimensões destas bolas e das bolas antigas.

Mas seria essa a principal mudança que justificaria as críticas à nova bola da copa?
Outro agente importante nessa discussão, é a rugosidade da esfera. Veja na foto abaixo:


O ar próximo à superfície da bola tende a mover-se com ela, criando uma região conhecida como camada limite. Com baixas velocidades, a camada limite envolve completamente a bola, e o fluxo no seu interior é laminar. Para velocidades maiores, a camada limite laminar separa-se da bola e cria uma esteira de baixa pressão (figura acima à esquerda). Se a velocidade da bola aumenta ainda mais, a camada limite torna-se turbulenta, e ocorre a crise do arrasto. A turbulência faz com que o ponto de separação da camada mova-se para trás na esfera (figura acima à direita), diminuindo a área de baixa pressão e reduzindo a resistência do ar. Para altas velocidades, esferas rugosas encontram menos resistência que esferas lisas.

A Jabulani possui pequenas cristas e ranhuras que seriam responsáveis por esse efeito, porém a Teamgeist era completamente lisa. Já as bolas de painéis são muito mais rugosas e irregulares. Portanto, estaria nesta questão, a maior diferença entre as bolas.

Ora! Sendo assim, a maior discrepância deveria ter sido observada na copa passada, quando houve a mudança da bola de gomos para a esférica. Alguém se lembra de algum jogador reclamando da bola naquela época? Hein? Hein? A nossa memória é fraca, e mais ainda é a dos jornalistas que gostam de fazer drama com tudo. Entretanto, houveram muitas críticas à Teamgeist na copa da Alemanha. As reclamações foram as mesmas. Bola "leve", parece de plástico etc. Neste link, Paul Robinson, da Inglaterra, disse que a bola era terrível. Os jogadores da seleção brasileira também reclamaram, como pode ser visto aqui nas declarações de Roberto Carlos e Rogério Ceni.

Ou seja. Não é novidade esse tipo de crítica. E o motivo principal é o formato totalmente esférico e diferença nas rugosidades destas bolas. Mas uma coisa é certa, por ter mais ranhuras do que a Teamgeist, a Jabulani é mais parecida, pelo menos aerodinamicamente, com as bolas de painéis usadas nos torneios regionais. Portanto, a diferença observada deve ser menor do que a de 2006.

No próximo post, deixando a polêmica das bolas da Adidas de lado, falarei sobre o efeito Magnus, e como esse efeito, assim como a crise do arrasto, influenciou na dinâmica de uma das jogadas mais clássicas de toda a história das copas do mundo: o gol que o Pelé não fez. Até o próximo.


Referências:
http://en.wikipedia.org/wiki/Adidas_Jabulani
"Dinâmica de uma Bola: a outra Crise do Futebol" - Por Carlos Eduardo Aguiar e Gustavo Rubini. Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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